terça-feira

Há uns meses atrás, não conseguia me lembrar nem mesmo sobre o quê tinha sido o meu último sonho. Jamais ouvi relatos de acordarem e "por que será que eu não sonhei hoje?". Parece que as pessoas só se preocupam com o cansaço físico, e acabam esquecendo por onde largam seus pensamentos. Sonhos são o espelho de uma vida: é o único momento em que você é capaz de questionar o porquê pensa certas coisas, e isso faz falta.

Enquanto os sonhos davam uma volta por aí, minha mente tentava preencher a lacuna deixada por eles. O grande problema nisso é que a realidade só te traz a realidade. Ela não é capaz de ser a válvula de escape do caminho que os sentimentos percorrem. Tive várias provas disso, mas uma delas pode resumir todas as outras.

- Olha a polícia lá, se esconde!
- Esconder não, filho, eles tão ali pra nos proteger e cuidar da gente.
- Não, mãe! Polícia mata!

Presenciei isso numa volta do trabalho, um diálogo entre um menino de no máximo cinco anos e sua mãe.
Chorei por horas quando cheguei em casa até entender o porquê...
Eu concordo com o menino.
Não prefiro o crime organizado, não prefiro milícias, não prefiro a "pacificação". Pra mim, depois desse reality show todo, a única coisa que mudou é quem levanta a arma. O homem se mata. E é aí que eu concordo com aquele menino. E é aí que a realidade é se mostra incapaz de aliviar as nossas tensões.

Esse é o tipo de coisa que você só dá conta quando volta a sonhar. Eles voltaram e se tornaram rotina pra mim. Nunca bons ou ruins, sempre sobre recentes sentimentos passageiros e irrelevantes, mas que às vezes se confundiam com a realidade. Dessa maneira, minhas noites de sono encontraram uma ordem e acabaram se tornando inerciais e sem destino.

Inerciais até ontem. Houve um tempo em que eu tentei amadurecer a ideia de que a falta de rumo dos meus sonhos estava errada. Nunca consegui por conta própria, até que um filme fez isso por mim. Valsa com Bashir conseguiu desfibrilar todos os meus sentidos. A realidade crua enfeitada com traços marcantes e sequências lúdicas: mais um soco na cara, só que daqueles bem dados. Acredito ter sido o primeiro longa que me causou pesada vergonha de ser humana. Assim que o filme acabou, eu não conseguia mais olhar para a tela, me senti curiosamente constrangida por tê-lo visto. E depois de passar uns bons minutos assim, quando resolvo ir dormir, meu olhos não fecham, minha cabeça não pára um minuto e quando pára, meus sonhos, que até então eram relevantes, se tornam o massacre que o filme retrata...

Nós matamos quando esquecemos a importância de questionar nossos próprios sentimentos, quando lutamos para não enxergar o que nos motiva. Somos responsáveis por todos os massacres que já aconteceram, por cada morte, apenas por esquecer o porquê de sonharmos.

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